quarta-feira, 27 de novembro de 2013

ISON: um cometa sem destino traçado


Fotografia do C/2012 S1, a 22 de Novembro de 2013, visto em Tenerife, nas Canárias
FRITZ HELMUT HEMMERICH

O céu não espera por nós, mesmo no nosso calmo sistema solar de meia-idade. Sem os olhos postos nas estrelas nocturnas, sem as fotografias diárias dos telescópios, o cometa C/2012 S1 poderia ter passado despercebido e desaparecer nos confins do nosso quintal cósmico, de onde é originário. Mas este pequeno agregado de gelo e poeiras foi descoberto a 21 de Setembro de 2012, pelos astrofísicos russos Vitali Nevski e Artyom Novichonok. Desde então, calculou-se a sua órbita, estimou-se o seu tamanho e especulou-se muito sobre o espectáculo que iria originar no céu. O cometa vai rasar o Sol, atingindo a sua aproximação máxima amanhã, mas pode desfazer-se em vários pedacinhos, diminuindo a probabilidade de ser observável a olho nu. É preciso esperar para ver.
“Muitos cometas têm uma órbita semelhante ao plano da eclíptica, o plano em que os planetas giram em redor do Sol”, explica ao PÚBLICO Rui Agostinho, director do Observatório Astronómico de Lisboa, e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Estes cometas têm órbitas mais próximas, as suas viagens demoram em média 200 anos. Não é o caso do C/2012 S1. “Não está na família dos planetas jovianos. Está no grupo de cometas com períodos orbitais na ordem dos milhares de anos”, diz o astrónomo.

No caso de ISON, o nome informal que foi dado a este cometa por ter sido descoberto por uma equipa que pertencia à Rede Óptica Científica Internacional, com sede na Rússia (ISON, sigla em inglês), o seu período orbital terrestre é de quase 401 mil anos (400.903, para se ser mais exacto). “Quando ele voltar, se calhar a humanidade já nem existe”, repara Rui Agostinho.

O cometa pertence à nuvem de Oort, uma região na extremidade do sistema solar onde existem milhares de milhões de objectos congelados, a qualquer coisa como entre 50.000 e 100.000 unidades astronómicas (a unidade astronómica é a distância média entre o Sol e a Terra, que é cerca de 150 milhões de quilómetros).

A nuvem de Oort situa-se muito além da órbita de Neptuno ou da cintura de Kuiper, uma cintura de objectos transneptunianos onde se insere Plutão, e que está, por comparação, a apenas 50 unidades astronómicas. Mas os objectos que pertencem à nuvem de Oort ainda estão sob o poder gravítico do Sol, e por isso ainda pertencem ao nosso sistema solar. De vez em quando, um destes objectos salta da calma distante desta região e mergulha até ao centro do sistema solar. Com um pouco de sorte, os astrónomos, com a ajuda dos telescópios, encontram esse cometa. Foi o que aconteceu ao ISON. “É uma descoberta fortuita”, diz Rui Agostinho.

O núcleo de um cometa é uma amálgama de gelo e poeira, não muito consolidada, que pode ter formas estranhas como a de uma batata ou a de um amendoim. Normalmente, o núcleo não tem mais do que alguns quilómetros de diâmetro. As partículas desta poeira raramente atingem a proporção de grãos de areia, pois costumam ser tão pequenas como as partículas libertadas no fumo do tabaco. São feitas de silicatos, o material que resta da nébula original do sistema solar, que ficou aprisionado nestes pedaços de gelo. É, assim, idêntico ao material que ajudou a formar os planetas e as luas no começo da história do sistema solar e, por isso, um alvo interessante de estudo para os cientistas.

O núcleo do cometa ISON tem, estima-se, um diâmetro entre os 200 metros e os quatro quilómetros. Esta amplitude é inferida a partir da quantidade de material que está a libertar-se à volta do núcleo. Ao aproximar-se do Sol, o aumento da temperatura causa a sublimação do gelo, que passa directamente do estado sólido para o gasoso, criando uma nuvem em volta do núcleo chamada cabeleira. Esta cabeleira pode atingir 100.000 quilómetros de diâmetro, tornando possível a observação do cometa.

O fenómeno que produz a cauda é outro. “A cauda é a interacção da cabeleira com a luz solar, que empurra a poeira para longe”, explica Rui Agostinho. Os fotões, as partículas corpusculares que compõem a luz que atingem a Terra, empurram as partículas da cabeleira ao longo de milhões de quilómetros, produzindo a cauda que, ao contrário do que se possa pensar, não é um rasto deixado pelo cometa.

A sublimação contínua de gelo vai permitir a libertação de poeiras contidas no cometa. No caso do ISON, a sua trajectória é muito particular. Consiste numa órbita elíptica apertada, que se aproxima do centro do sistema solar por baixo do plano da eclíptica, depois aproxima-se do Sol e dá-lhe uma volta e regressa para os confins da nuvem de Oort. É quando está a regressar para a sua casa longínqua, alguns dias depois de ter “raspado” o Sol, que o cometa se torna visível à vista desarmada no hemisfério Norte. Mas a experiência de aproximação ao Sol pode correr mal.
 
Ou vai ou racha
Quando amanhã fizer a apertada curva ao Sol, atingindo o periélio, o cometa vai ficar a apenas 1,5 milhões de quilómetros da nossa estrela, o que é cerca de quatro vezes mais próximo do que está Mercúrio. E a força gravítica a que o cometa vai ser submetido durante a curva acelerada em redor do Sol pode ser de mais para este corpo. “O núcleo é composto por gelo que está sujo de poeira, não tem nenhuma cola que o segure”, explica Rui Agostinho. “Pode não aguentar e desagregar-se. A probabilidade disso acontecer é grande.”

No site da NASA que acompanha diariamente a situação do cometa, o postmais recente, de segunda-feira, alertava para uma diminuição acentuada da emissão de gases, substituída por um grande aumento da produção de pó. Nosite, defendia-se que isto podia ser um sinal de desintegração do cometa.


Rui Agostinho tem reservas. “Isto indica a tal estrutura muito amorfa. O núcleo do cometa não é uma estrutura homogénea de gelo e poeira.” Ou seja, pode haver uma região com mais poeira e menos gelo, originando estas leituras descritas no site. “Ninguém pode confirmar se o cometa se está a desintegrar, isso só pode ser observado por telescópio, quando forem vistos dois núcleos.”

Se o cometa se desintegrar, os resultados não serão muito famosos para o espectáculo que muitos desejavam. “A soma do brilho de cada pedacinho é menor do que o brilho do núcleo inteiro”, diz Rui Agostinho, explicando que, caso a desintegração aconteça, os minicometas que restarão e as suas respectivas caudas só poderão ser vistos ao telescópio.

Se tudo correr bem na visita do cometa ao Sol, há mais possibilidades de ser visível também em Portugal. Inicialmente, vistos a partir da Terra, o cometa e o Sol estarão demasiado próximos para se distinguirem. Mas de dia para dia, o ISON ficará cada vez mais distante do Sol, melhorando as observações.

O melhor período para ver o cometa será durante a primeira quinzena de Dezembro. Quem quiser fazê-lo terá de se levantar antes do nascer do sol e olhar para Leste, por cima do local onde o Sol irá aparecer. No início, estará muito perto do horizonte. Mas à medida que os dias passarem, o cometa surgirá cada vez mais alto no céu, ainda que com menos brilho, já que se afasta do calor do Sol. A 26 de Dezembro, passará mais perto da Terra, sem qualquer perigo de colisão.

Rui Agostinho não está muito crédulo em relação ao espectáculo que o cometa poderá proporcionar. “Para já, não estou muito entusiasmado. Com o telescópio, vê-se bem e os binóculos podem ajudar. O pior é se o cometa se transformar em fragmentos. Vamos ver.”

Resta assim esperar para ver o que o céu oferece, e tentar, numa das próximas madrugadas, apanhar ISON entre as estrelas. Depois, o cometa seguirá a sua viagem, para nunca mais ser visto pelos actuais habitantes da Terra. [Fonte: Público]

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